Artigos de autoria de Carlos de Paula, tradutor, escritor e historiador brasileiro residente em Miami. Que só não viaja mais por que o bolso não deixa.
Tuesday, February 5, 2013
Turismo de Atlas
Quando era pequenino tinha um hábito peculiar. Ganhei um Atlas de presente e descobri a geografia. Gostava de ir ao banheiro levando o meu companheiro Atlas, passando belos minutos, que mais pareciam horas, explorando diversos países, imaginando culturas diferentes, aprendendo os nomes das capitais. Eram tempos diferentes, não havia internet, e o mundo ainda era uma incógnita para muitos.
Imaginei que algum dia viajaria para todos aqueles lugares, desde a gélida Antártida e seus pinguins, até os desertos da Arábia e seus camelos. A linda, culta e sedutora Paris, a jovem e moderna Brasília, as estonteantes alturas do Everest. Veria os quadros do museu do Prado e o Empire State Building. Imaginava que visitaria lugares como Gana, quiçás a Colômbia, certamente a Nova Zelândia. Realmente não me agradava a idéia de visitar o Vietnã, que naquele época estava em uma guerra aparentemente infindável. Afinal, eu era um garoto que amava os Beatles e os Rollling Stones. Mas o mundo era grande, podia dispensar o Vietnã.
Nas páginas inertes de um Atlas tudo é bonito, interessante e seguro. Não há sequestros, a água é potável, há esgoto. Não pintam balas perdidas, as culturas e raças se respeitam, comida boa não falta. Os animais são todos bonitos e dóceis, e os venenos que podem levar à morte são uma abstração - coisa de outro mundo. Insetos só se interessam por plantas, não gente. O frio não é tão gelado, o calor não é tão quente. E tem mais, as viagens das páginas do Atlas são baratas. Você viaja o mundo inteiro com alguns poucos reais, dólares ou euros. Sem passaporte.
Cheguei a querer trabalhar com turismo para conhecer o mundo. Desisti no meio do caminho e me enfronhei por outras áreas, digamos, mais estáticas. Fui crescendo, e descobrindo que havia certas áreas do mundo que de repente não seriam tão agradáveis assim. Nunca fui aventureiro ad extremis - não sou do tipo mergulhador, paraquedista, etc..
Um dia pensei em viajar para a Nigéria, sim. Descobri que era um lugar bonito, que havia vínculos históricos com o Brasil, mas também aprendi que o país tem problemas sérios. Em suma que é um ambiente inóspito para turistas.
A gota d'água foi quando um amigo caiu no conto das famosas cartas da Nigéria, nos anos 90. Nunca me contou direito o que rolou, só sei que o cara se mandou para Lagos esperando voltar rico, e quase fica por lá, mortinho da silva.
Nesse fim de semana li um artigo sobre Lagos que eliminou a última gota de vontade de visitar a ex-capital nigeriana. São Paulo é um verdadeiro paraíso em comparação com o caos urbano de uma cidade sem esgoto, assentada sobre um sujo pantanal, com poucas ruas asfaltadas, e que, apesar das abundantes riquezas do petróleo, abriga mais de dez milhões de miseráveis.
Hoje há vôos frequentes para quase todos os lugares do mundo, em aviões confortáveis, rápidos e seguros. As passagens já foram mais baratas, mas ainda não é preciso ser milionário para viajar para a grande maioria dos lugares nesta Terra. Compra-se passagens no próprio computador caseiro, no conforto do seu lar. Mas o globo está cada vez menor para mim.
Vou comprar outro Atlas e sonhar, no trono, com um mundo melhor.
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